(Uma amostra das novidades no novo Letramento)
Com referência a pesquisas feitas sob perspectiva sociocultural sobre letramento, uma boa ‘amostra’ é o livro “A new Literacies Sampler”, por Michele Knobel e Colin Lankshear.
Já em seu primeiro capítulo, “Sampling ‘the new’ in New Literacies”, os autores abordam o fato de que não há significado fora da prática. A língua, então, dá significado ao contexto e, dialeticamente, o contexto dá sentido à língua. Por essa razão, não há leitura e escrita significativas fora da prática social.
Dessa forma, diferentes tipos de textos requerem diferentes conhecimentos e habilidades, e produzem diferentes significados, interações, usos, etc.
Ainda, o aprendizado da leitura e da escrita pressupõe que os participantes não só leiam, mas também saibam discutir sobre o texto lido, tenham certas atitudes, valores e interações sobre o mesmo. De fato, portanto, existem tantos ‘letramentos’ quanto práticas e conceitos sociais de leitura e escrita. (Street, 1984)
Os discursos, também, como definidos por Gee (1996), são maneiras sociais de se usar a língua, os gestos e outras semióticas, assim como formas de pensamento, crença, sentimento, valor, agir/fazer e interagir em relação às pessoas e coisas, de forma que possamos ser identificados e reconhecidos como pertencentes a ‘esse’ ou ‘aquele’ grupo na sociedade.
A língua é uma dimensão do Discurso e, como “produção histórica”, ele muda com o passar do tempo. Porém, há um dado momento em que ele pode ser suficientemente “definido”, segundo Gee. Temos, então, a distinção entre “Discursos primários”, em que consistem nossas primeiras noções de como nos portamos diante do próximo, como “pessoas como nós” somos, agimos, pensamos, etc; e “Discursos Secundários”, a que recorremos quando participamos de grupos e/ou instituições externos.
Com isso, Gee (1996) define letramento como “o domínio (ou desempenho fluente) de um Discurso secundário”, o que inclui ser capaz de lidar com os vários elementos humanos e não-humanos de coordenações produzidas pelo Discurso.
Concomitantemente, outras definições se fazem presentes acerca do letramento:
“É uma forma socialmente reconhecida de gerar, comunicar e negociar conteúdo através do intermédio de textos codificados dentro de contextos de participação em Discursos (ou como membros dos discursos).” (Lankshear e Knobel, 2006)
Uma questão de se “aplicar um conhecimento a propósitos específicos em contextos de uso específicos.” (Scribner e Cole, 1981)
“Maneiras particulares de fazer e pensar sobre leitura e escrita em contextos culturais”. (Street, 2001)
Enfim, letramento nos chama a gerar e comunicar significados e a convidar outros a fazer significado de nossos textos em questão. Contudo, isso só pode ser evidenciado se houver algo de onde se possa tirar significado, ou seja, do conteúdo que há no texto, o qual é efetivado através da interação do texto com seus receptores.
Gunther Kress (2003) argumenta que esse significado envolve dois tipos de trabalho: articulação e interpretação.
E, como a idéia de “conteúdo significativo” é ‘elástica’ para acomodar diversas possibilidades, Gee nos chama atenção à complexidade e riqueza de relacionamento existente entre o letramento e as “maneiras de nos conectarmos, de estarmos juntos no mundo”, o que é um pont
o de grande relevância ao se referir às práticas e conteúdos da internet.
Com ela, temos “textos codificados”, os quais estão ‘congelados’ mas podendo ser ‘transportados’ e, por isso, se tornam disponíveis para serem trabalhados independentemente da presença física de outra pessoa.
Assim, usar um blog, o photoshop, o e-mail, etc são formas de letramento tanto quanto ler um livro, uma história em quadrinhos, escrever num diário, etc.
O Q Há d nOVo Na InTeRnET?
Basicamente, sabe-se que alguém com acesso a um computador padrão, conexão à internet, e um conhecimento básico de aplicações de software pode criar uma diversa quantidade de artefatos significativos usando apenas um conjunto limitado de operações e técnicas. Pode-se, por exemplo, criar um texto multimodal e mandar para uma pessoa, um grupo ou uma comunidade toda, a qualquer momento e sem custos. O mesmo pode ser feito com respeito a fotos, músicas, animações, jogos, etc.
Tais tendências tecnológicas podem ser integradas ao letramento numa nova extensão, diferente da convencional (da era da impressão e das formas análogas de representação), numa prática que envolva diferentes valores, ênfases, prioridades, perspectivas , orientações e sensibilidades.
Assim, pode-se dizer que o “novo letramento” passa a se tornar mais participatório, colaborativo e distribuído, e menos ‘estabelecido’, individualizado e centrado no autor.
Além disso, temos ainda a ‘fratura de espaço’, ou cyberspace, um espaço distinto que co-existe com nosso espaço físico. Com isso, formaram-se duas mentalidades: a “industrial física” e a “pós-industrial cibernética”.
Segundo Barlow (em entrevista com Tunbridge, 1995), surgem também novos paradigmas de valores. Enquanto no espaço físico o valor é regulado pela escassez, no espaço cibernético, com a informação, o valor está na relação de familiaridade, nas relações, conversas, trabalhos em rede e dispersão da informação. Insinua-se, então, que pessoas que levem o modelo de escassez para o espaço cibernético irão diminuir, e não expandir seu potencial.
Segue-se, com isso, uma nova visão global a respeito das relações, e esse período que era chamado de “A Revolução da Informação” é agora conhecido como “A Revolução das Relações” (Schrage, 2001).
Com ela, vem também o senso de “liberdade de informação” (Lawrence Lessig, 2004), na qual as pessoas pegam ‘bits’ (partes) de materiais existentes para produzir novos trabalhos; e um segundo ponto: a informação passa a ser movida ou feita pelo intermédio da ligação e do compartilhamento, ou seja, as pessoas tendem a se sentirem ‘conectadas’ por afinidades, para dividirem conceitos, idéias, gostos, risos, etc.
Ainda dentro da questão ‘espacial’, vimos mudanças em duas dimensões: o “espaço do livro” e o “espaço de trabalho”. No contexto educacional, os textos escritos deram lugar as novas mídias e o espaço de aprendizagem deixou de ser limitado à sala de aula.
E, como aprendizes que cresceram com a mentalidade cibernética geralmente vêem e abordam as coisas diferentemente, também a forma como passaram a exercer as “tarefas” a eles atribuídas mudaram: a idéia de se desenvolver um só trabalho num mesmo momento e num mesmo lugar deu lugar à realização de “múltiplas tarefas” em que, assim como na ‘vida real’, foi gerada a capacidade de se fazer várias atividades ao mesmo tempo.
É o que mostra uma pesquisa de Leander e colegas (2006), em que observaram alguns alunos numa sala de aula com acesso à internet e que, mesmo fazendo downloads de músicas, mandando e-mails, participando de salas de bate-papo, entre outros, durante as explicações do professor, foi concluído que eles tiveram a mesma participação dos demais e não aprenderam menos por isso.
Assim, essas novas formas de letramento se tornaram mais fluidas, soltas e abertas mas, enquanto sua prática está ‘decolando’, pesquisas estão constantemente sendo feitas na busca por métodos e meios de se realizar um encontro nessa ‘viagem’.
Em uma conferência em 2001, após a quebra do ponto.com, foram estabelecidas as principais diferenças entre a Web 1.0 e 2.0, e foi observado que as maiores empresas que sobreviveram à quebra compartilhavam características.
O’Reilly (2005) exemplificou vários produtos e serviços relacionados às duas versões, e um deles foi o navegador grátis oferecido pela Netscape, que era baixado nos computadores e de tempos em tempos deviria ser atualizado. Entretanto, era uma estratégia da Netscape criar um “webtop” que empurrasse informações de vários outros provedores aos consumidores e, assim, utilizavam seu domínio no mercado de navegação na internet para incentivar o consumo de produtos com preços elevados. A questão é que os usuários não possuíam o poder de controlar seus próprios dados uma vez que, o que eles podiam “conseguir” da internet era apenas o que os publicitários disponibilizavam. A lógica era usar e não participar; consumir e não interagir.
A versão 1.0 da Web tem muito em comum com a abordagem “Industrial” da atividade de produção de bens de consumo. Nela, a relação produtor x consumidor é bem definida, onde o produtor detém o conhecimento, o know- how, e os consumidores apenas adquirem.
A versão 2.0 da Web se diferencia principalmente por sua diretriz “Pós-Industrial” muito mais focada em serviços e capacitação que na produção e venda de artefatos para consumo. Um exemplo mencionado no texto, é a enciclopédia Britannica Online, criada na versão Web 1.0, que contratava estudiosos das diversas áreas para escrever sobre os temas.
Bem diferente da enciclopédia grátis Wikipedia.org na Web 2.0, onde os próprios internautas são os colaboradores. Qualquer um que desejar contribuir com seu conhecimento e abordar qualquer tema é livre para tal. O site provê instruções gerais para escrita e edição do texto. O interessante é que os textos podem ser editados a qualquer momento por outras pessoas, estimulando, assim, a auto-correção do sistema, dando vez à inteligência coletiva. Em termos de Ethos, isso significa a inclusão de todos, participação em massa e distribuição do conhecimento em detrimento da enciclopédia Britannica Online, a qual supervaloriza a autoria, a detenção do conhecimento e do poder.
Outro aspecto explicitado e que os autores consideram ser o coração dos novos letramentos é a prática de anotações para categorização e gerenciamento de informação. É citado o site Flickr, que possibilita a postagem de fotos na Internet após o cadastramento do usuário. Para cada fotografia ou grupo de fotografias podem ser inseridas ‘etiquetas’(tags), onde é possível escrever um comentário sobre a foto (tagging). A partir de tal comentário, a foto pode ser localizada no site através de palavras-chave. O usuário pode receber comentários de outras pessoas sobre suas fotos, entretanto, eles podem ser editados por quem os envia ou recebe. As milhares de fotos publicamente disponíveis no site formam um banco de dados que pode ser utilizado para pesquisas. Tais categorizações formam o que foi chamado de folksonomia (em inglês, “folksonomy”).
O termo folksonomia foi desenvolvido em justaposição com taxonomia, que é a elaboração de categorizações oficiais, realizadas por profissionais que dominam tal fenômeno. Com a folksonomia tem-se, então, uma categorização ou gerenciamento de informações feito por não-especialistas de acordo com o que os mesmos consideram por classificação. O site Amazon.com é um exemplo do mesmo, uma vez que seu sistema de “tagging” é utilizado como fonte bibliográfica para referências de livros, pois traz informações como a imagem da capa dos livros, conteúdo, índice e algumas outros adicionais.
Seguindo os parâmetros associados à Web 2.0, conclui-se, então, que os novos letramentos estão intimamente ligados à participação em detrimento da publicação; à distribuição do conhecimento, inteligência coletiva e não à possessiva inteligência individual; e tantos outros valores que estimulam a mobilização das massas e não a aceitação passiva do conteúdo.
O paradigma dos novos letramentos é constituído por questões técnicas e questões de Ethos; enfatizando que a “popularização” e realização de questões Ethos se tornam possíveis através das novas tecnologias, mas não dependem unicamente delas.
REFERÊNCIA:
KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. A new literacies sampler. New York: Peter Lang, 2007. Chapter 1. Sampling “the new” in new literacies. p.1-24